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Meio ambiente, mundo digital e desigualdade: o que o PIB não mede?


20 MAR 2017


Meio ambiente, mundo digital e desigualdade: o que o PIB não mede?
O Brasil vive a mais longa e intensa recessão de sua História. A queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB), anunciada no início do mês pelo IBGE, motivou debates sobre quando e como voltaremos a crescer e criar empregos, tomando por base somente esse número síntese do desenvolvimento do país. A medida do PIB, porém, é limitada. Mostra apenas a produção de bens e serviços que podem ser comercializados, que têm um valor medido. O PIB sozinho não mede o desenvolvimento de um país.

O preço do recurso natural que é usado na produção não entra na conta, a degradação ambiental no processo produtivo não entra na conta, a desigualdade que abate mais os mais pobres numa recessão não entra na conta, a economia compartilhada e colaborativa não entra na conta. O economista e filósofo Eduardo Giannetti diz no seu último livro “Trópicos utópicos”: “O culto do PIB como métrica do sucesso das nações tornou-se uma espécie de religião do nosso tempo”. Ele há anos vem defendendo dar um preço à devastação ambiental e mostra as contradições do PIB como forma de medir o desenvolvimento do país, num modelo que acaba incentivando o uso de tecnologias poluentes em detrimento de técnicas sustentáveis.

Flavio Comim, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e profundo conhecedor do Índice de Desenvolvimento Humano, calculado pelas Nações Unidas, diz que o desenvolvimento de uma nação se mede pela forma como a sociedade trata seu indivíduo mais pobre. Quanto melhor, mais desenvolvida.

O mundo digital é outro que fica parcialmente fora do PIB. Grandes plataformas de compartilhamento de serviços, como Uber e Airbnb, e de vendas, como Amazon, têm grandes bases de dados inacessíveis, diz Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) que vem acompanhando na OCDE, Nações Unidas e Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) os debates sobre como calcular isso. No momento, a discussão está na definição de conceitos. Ou seja, ainda longe da medição.

“Em momentos de crise, a ordem social depende do PIB. Há uma retração de pensamento social que é dramática. Parece que a única medida de progresso social passa a ser o PIB. Uma questão clássica da economia, que é a distributiva, deixa de existir e se começa a ignorar qualquer ideia de proteção social. A maior parte das pessoas está fechando os olhos. Já estamos com quase 60 mil homicídios e, a cada anuário divulgado, o número aumenta. Como a crise também é fiscal, o cidadão tem menos acesso a serviços públicos, como educação, saúde e segurança. Existe uma desorganização do tecido social que vai para debaixo do tapete.

Se o PIB fosse corrigido pela desigualdade, nosso problema maior, a renda nacional cairia 30%. Há escolas de luxo abrindo em massa em São Paulo e crianças no Sul sem aula, nas redes estadual e municipal, há dois, três meses. O jovem das camadas mais privilegiadas fala três línguas, aprende a programar. O outro mal sabe português, 90% não sabem a matemática que deveriam saber. Esses abismos sociais na crise aumentam dramaticamente. O estado é importante para não deixar o tecido social se esfacelar. E quando a economia melhora, não melhora da mesma forma para todo mundo. A maré sempre sobe mais para uns do que para outros

Acredito que o próximo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sai este mês, vai mostrar queda do Brasil no ranking, dependendo da maneira pela qual os dados vão ser mostrados. Em termos absolutos, acredito em retração não só da escolaridade, como no PIB per capita e estagnação de expectativa de vida.

O que aconteceu na Europa desde 2007, com as taxas de desemprego em alguns países absolutamente dramáticas, está acontecendo aqui. Só que nosso tecido social é mais vulnerável, coexiste com pobreza e alto nível de desigualdade.

Falta esse ponto no debate: os estragos irreversíveis. Crianças que estão perdendo aula, deixando de ir à escola, a trajetória vai ser distinta. Não recupera mais. É um soco no estômago, com implicações para os próximos 30 e 40 anos. Falta estatística de processo: quem procura hospital e não tem atendimento. O desemprego, a inadimplência são bem conhecidos, mas nada que nos aponte o grau de intolerância na vida social.

Agenda social olha primeiro a situação das pessoas mais vulneráveis. O desenvolvimento deveria ser medido pela vida da pessoa mais pobre na sua sociedade. Debate calcado apenas no crescimento econômico esquece a questão mínima da justiça social.”

Flavio Comim é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul